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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Cinema do Vale do Sol

Por ocasião do III Festival Internacional de Curta Metragens de Itu. 2009. que, como os festivais regionais cinematográficos tem, entre outras, a função de promover o encontro entre pesquisadores e profissionais da área, fomentando a reflexão e o comprometimento com uma civilização mais digna através do conhecimento e troca de sensibilidades, pode se constatar a importância da cidade no processo cinematográfico do país acima descrito. O fenômeno é, aliás, conhecido, apesar de nem sempre analisado em detalhe e com a merecida consideração. Sabemos o grau de possíveis preconceitos inerentes às formas de abordagem de determinados aspectos culturais da civilização brasileira, forjadas, nem sempre de forma natural (muito ao contrário), pelos valores das matrizes de centro (Europa e Estados Unidos). As pesquisas acima referidas e em processo apontam Itu e arredores como local favorável a muitos dos produtos audiovisuais característicos do núcleo de produção em questão, de forma a quase se constituir como um ciclo de produção regional, outra característica peculiar ao nosso cinema. Os ciclos regionais de produção, como sabemos, são componentes fortes na história do Cinema Brasileiro tendo sido fonte de sustentação de sua existência, desde o início, na fase heróica do pioneirismo (os ciclos regionais do Recife, de Campinas, de Minas-Cataguases, nos anos 20 e 30) chegando à atualidade como neste na região conhecida como o Vale do Sol (Sorocaba, Salto e Itu). Em Itu, foram produzidos filmes tanto ligados ao gênero do cangaço (os nordesterns), altamente populares no período (“A Morte Comanda o Cangaço” , de Carlos Coimbra – cenas complementares que deu entrada aos seguintes), “Cangaceiro Sanguinário”, de Osvaldo de Oliveira, “Lampião, o Rei do Cangaço”, novamente de Carlos Coimbra, entre outros), faroestes caboclos com clara inspiração no western italiano (“Rogo a Deus e mando bala”, de Osvaldo de Oliveira), como comédias rurais que enalteciam a personagem do caipira (“Sertão em Festa”, com a dupla de cantores sertanejos Tião Carrero e Pardinho, “No Rancho Fundo”, com o humorista nacionalmente conhecido e originário da cidade, Simplício, ao lado de Nhá Barbina e Saracura, além da participação de Chitãozinho e Xororó, “Luar do Sertão”, com os igualmente populares, no período, Tonico e Tinoco, além de Mazzaropi, “As Aventuras de Pedro Malazartes”, “Casinha Pequenina”).
Vale a pergunta: um Brasil que, pouco a pouco, é relegado ao passado e tende a desaparecer (o Brasil rural e caipira dos interiores do país, dos sertões adentro)? Sem falar de filmes clássicos como “Veredas da Salvação”, de Anselmo Duarte e, do mesmo diretor, como é conhecido, originário de Salto, cidade vizinha, “Quelé do Pajeú”, rodado nas imediações, com Tarcísio Meira e Rossana Guessa. Ou de sucessos que causaram comoção na época, como “Meu Pé de Laranja Lima”, versão para o cinema do romance de José Mauro de Vasconcelos, por Aurélio Teixeira, e a aqui já mencionada série para a TV, “O Vigilante Rodoviário”, de Ary Fernandes, com Carlos Miranda. Também as produções de caráter histórico, em sintonia com a vivência local, como “O Caçador de Esmeraldas”, sobre o bandeirante Fernão Dias;
O ponto revelador é que, além da proximidade com São Paulo, um dos tradicionais centros de produção do audiovisual e de suas características peculiares favoráveis ao cinema (como a luz e sua paisagem naturais), a história de Itu está muito vinculada à história do país como um todo. Como nos mostra Maria de Lourdes Figueiredo Sioli, professora e historiadora da cidade, em seu livro “Itu, História para Jovens Leitores” (Ed. Ottoni, Itu, SP, 2002), a cidade é marco inaugural no processo de avanços da civilização branca no país que, penetrando através de São Vicente, Santos-Jundiaí, rompendo os paredões da Mata Atlântica, desbravou caminhos através de sua floresta no percurso dos rios já aqui navegados pelos indígenas, chegando-se ao vale entre o Tamanduateí e o Anhangabaú onde, estabelecendo-se a Vila de São Paulo do Piratininga, adentrou pelo Oeste através de Santana do Parnaíba, Sorocaba e Itu. Como nos lembra o livro, Itu era base de apoio na linha de fronteira entre territórios já conquistados e os ainda a se desbravar, a “boca do sertão”, último entreposto para troca de animais, armas e mantimentos, rumo ao ainda inexplorado. Seus fundadores são mamelucos, mestiços entre o branco e o índio; nas origens, as bases da cultura caipira que, muito mais à frente, ajudaria a consolidar uma das figuras emblemáticas na afirmação de nossa identidade nacional, o caipira, figura primordialmente materializada, como sabemos, na obra de um dos pintores clássicos da história da pintura brasileira, Almeida Junior, aliás, nativo da cidade.
Berço portanto no processo da civilização no país, através dos bandeirantes que ajudaram a fazê-la em meio aos índios e escravos, pela cidade, acompanhamos os principais passos da constituição da nação brasileira: os ciclos da extração mineral, do açúcar, do café, do algodão, da industrialização através da primeira indústria têxtil, a Fábrica São Luis, as primeiras escolas e colégios através dos missionários jesuítas e franciscanos, das primeiras idéias liberais republicanas pela independência do país frente à matriz portuguesa, dos primeiros passos na constituição da República (a conhecida Convenção Republicana de Itu, em 1873), na formação da própria República consolidada através de sua oligarquia cafeeira e na figura do primeiro presidente civil do país, Prudente de Morais, cidadão de Itu, na Revolução Constitucionalista de 1932, em oposição às forças de Getúlio Vargas, na 2ª Guerra Mundial até os dias de hoje.
Texto do querido amigo Joel Yamji

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